sábado, 31 de julho de 2010

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

(Alexandre O'Neill)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

História dos Sentimentos

História dos Sentimentos…

Contam que uma vez se reuniram todos os sentimentos, qualidades e defeitos dos homens em um lugar da terra.

Quando o aborrecimento havia reclamado pela terceira vez, a loucura como sempre tão louca lhe propôs: “Vamos brincar ao esconde-esconde?!”. A intriga levantou a sobrancelha intrigada e a curiosidade sem poder conter-se, perguntou, “Ao esconde-esconde?”. “É um jogo” – explica a loucura “Em que em fecho os olhos e começo a contar de um a um milhão, enquanto vocês se escondem e quando eu tiver terminado de contar, o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará o meu lugar para assim continuar o jogo”.

O entusiasmo dançou seguida da euforia. A alegria deu tantos saltos que acabou por convencer a dúvida e até mesmo a apatia que nunca se interessa por nada. Mas nem todos quiseram participar: a verdade preferiu não se esconder, “Para quê? No final todos me encontram?”, pensou ela! A soberba opinou que era um jogo muito tonto e a covardia preferiu não arriscar-se. “Um, dois, três, quarto... ...” Começou a contar a loucura.

A primeira a esconder-se foi a presa, que como sempre caiu atrás da primeira pedra do caminho. A fé subiu ao céu e a inveja se escondeu atrás da sombra do triunfo, que com o seu próprio esforço tinha conseguido subir na copa da árvore mais alta. A generosidade quase não conseguia esconder-se, pois cada local que encontrava lhe parecia maravilhoso para algum dos seus amigos: se era um lago cristalino, ideal para a beleza, se era a copa de uma árvore, perfeito para a timidez, se era o voo da borboleta, era o melhor lugar que se podia encontrar para a volúpia, se era uma rajada de vento, magnifico para a liberdade. E assim, acabou por se esconder num raio de sol.

O egoísmo, ao contrário, encontrou um local muito bom, desde o inicio: ventilado, cómodo, enorme mas apenas para ele. A mentira escondeu-se no fundo do oceano (mentira, na realidade escondeu-se atrás do arco-íris) e a paixão como o desejo esconderam-se no centro dos vulcões.

O esquecimento, por sua vez, não me recordo onde se escondeu, mas isso não é importante! Quando a loucura estava pelos novecentos e noventa e oito milhões, o amor ainda não havia encontrado um lugar para se esconder, pois estavam todos ocupados, até que encontrou uma rosa e carinhosamente decidiu esconder-se entre as suas pétalas.

“Um milhão” terminou de contar a loucura e começou a sua busca. Primeiro a aparecer foi a pressa apenas a três passos da primeira pedra que tinha caído. Depois escutou a fé discutindo com Deus no céu sobre zoologia. Sentiu a vibrar a paixão e o desejo no centro dos vulcões. E em descuido encontrou a inveja e claro, pudesse deduzir onde estava o triunfo.

O egoísmo não teve que procura-lo, saiu sozinho disparado do seu esconderijo que na verdade era simplesmente um ninho de vespas, quem quer tudo nada tem! De tanto caminhar sentiu sede e ao aproximar-se de um lago descobrir a beleza. A dúvida foi mais fácil ainda, pois encontrou-a sentada sobre uma pedra onde se encontrava para decidir onde se esconderia. E assim foi encontrando todos: o talento entre a erva fresca, a angustia em uma cova escura, a mentira atrás do arco-íris (mentira, estava no fundo do oceano) e até o esquecimento que já havia esquecido que estava a brincar ao esconde-esconde!

Apenas o amor não parecia em nenhum local. A loucura procurou atrás de cada árvore, em baixo de cada rochedo, de cada pedra e em cima das montanhas... Quando estava a ponto de ser dada como vencida, encontrou uma roseira. Pegou num ferro e começou a mover os ramos, quando no mesmo instante, escutou-se um doloroso grito, os espinhos tinham ferido o amor nos seus olhos. A loucura não sabia o que fazer para se desculpar, chorou, rezou, implorou, pediu e até prometeu ser o seu guia…

Desde então, desde que se jogou pela primeira vez, o jogo do esconde-esconde na terra: O Amor é Cego e a Loucura sempre o Acompanha...